quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Praça

Uma palavra ao vazio,
passos se cruzam
circulam pela praça

o vento ergue as folhas em redemoinho,
o chão tormentoso completa a visão rustica,
os bancos de pedra dura sorriem,
sopram uma canção de fim de outonono,
um hino.

não há uma alma viva,
nada entre mim e o contemplar estático
de uma rua morta

ando em valsa, cirandeio,
largo a praça, passo.
vivo ou morto,
vivo o  novo,
uma outra metade,
meu sítio é nunca.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Meio Azul meio nada

Um dia cinza
e essas lágrimas
que caem dos olhos,
meio azuis,
meio nada,
sobre a boca amarga,
sobre a barba serrada.

Sento-me quieto,
olhando pro céu,
para a ausência de sol,
para o vazio que toma
o canto da alma,
o silencio que sopra
do canto dos pássaros,
e os sons dos martelos
que caem sobre minha
cabeça.

As semanas passam
sobre minha carcaça,
esbarram em meu esqueleto,
e me deixam mais magro
cada hora um novo aperto,
cada dia uma ameaça,
de tudo e de mim mesmo,
pra que o ego se contenha,
pra que o sonho se desfaça.

E olhando pro mundo assim,
tudo mudo e o que me resta,
pela lente do tempo,
pelo vazio da fresta,
sigo cego e absorto,
à espera de um tudo,
à espera de um tanto.

sábado, 19 de julho de 2014

Duplo Epitáfio



Que a solidão
parta-me em dois
para que já não fique
sozinho

Dizem ser o rompimento
o caminho dos fortes
e dos sem alma

Daqueles que uivam
e que choram
sem razão,
por não saberem gritar

Morreu hoje
Rubem Alves,
morreu ontem
João Ubaldo
e eu,que pouco os conhecia,
poço de ignorância,
estou de luto
por ambos


De luto
por dois estrangeiros,
por dois homens do Brasil,
de luto pela literatura
e pela extrema presença
de um mundo
vazio.

Epílogo


Esse verso
dedico à distância,
que de tão cruel
me tornou aspero
e menos afoito

Dedico
às palavras
mal gastas,
aos soluços
repreendidos
e à fome,
que desde então
me alimenta

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Desejos

Eu quero o silêncio dos homens,
rompido.
O grito de choro, sufocado.
A energia atômica
dos brados de fúria
liberada.

Eu quero a revolta e o motivo,
que o mundo saiba que é mundo,
e que a sorte seja só
mais uma imperfeição

Eu quero que a insatisfação
seja legítima.
Quero que seja absurda.
Eu quero que a vida saiba
que é nossa.

Eu quero mais,e quero além,
porque o agora não basta
porque o agora é ninguém.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Matizes e redomas,
engatilhados vivemos
todos ocos,
insensíveis,
maltrapilhos,
estilhaços.

Maltratados,
mau amados,
híbridos, loucos,
performáticos.

todos nós símbolos,
todos nós,
nós cegos,
fixos, presos,
rotulados.

órfãos de uma língua mãe
e de  um poema frio,
que nos reflita.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Lamúrios de outono

Hoje eu acordei
e me senti mundano,
congelado pelo frio
que vem de minha janela
açoitado pela dor de estar
vivo

Hoje,
acordei vendo o mundo
longe de minha
paranoia,
repleto de cores,
livre de minha
indecência

Não que esteja triste,
ou feliz,
não seja neutro,

Simplesmente sinto,
vaga e estilhaçada,
essa maldita hora
que vim ao fundo,
que vim ao tédio,
que vim ao mundo

pela enésima vez

em uma vida só.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Poesia Enviesada

O POVO GRITA!
Soltas, as vozes se perdem,
no vácuo, na ribanceira

Quem é o povo?
Quem está de acordo?
Quem são todos esses, calados?

Dizem ser todos
massa de manobra,
midiática, sindical.
Quem é seu próprio guia?

Dizem ser culpa da copa,
menos futebol e mais hospitais,
menos impostos, mais ganhos reais,
a culpa é sempre to estado,
que interfere demais.

A culpa é dos PTralhas,
dos corruptos, bandidos de terno,
a culpa é das mulheres de esquerda,
que rejeitam os liberais.

O BRAZIL não tem mais jeito,
é assim desde a fundação,
não há nada para ser feito,
vamos todos pra EUROPA,
vamos embora de avião,
nós que somos  o povo eleito,
criadores da negação,
deixemos esse país liberto
de toda nossa,
abominação



quarta-feira, 7 de maio de 2014

Lembrança

Muito do que fora dito,
agora então, se escondia
em vácuos de sólida pedra
em rios bravios de lamparinas

O instante agora ontem,
vinho seco, pedra fria,
era o soco, minuto cadente,
em sobra, desespero
e alegria.

Paisagem

Eu vi a luz na sombra
e os corpos dos homens
que sedimentavam-se
nos vãos e trilhos
das estações de trem

Terminais,
como se fossem fins
ou como lacres ou tampas
de garrafas vazias de
álcool

Soltos, retilíneos,
livres como chamas
nas pontas de palitos
de fósforo,
acesas como luzes,
no túnel das sombras

Calcinados,
estampas velhas,
gastas do sol
e do frio
que racha a sobra
velha
do tártaro

e dos dias.

quinta-feira, 24 de abril de 2014

Brasil, palavra saudade


Eu tenho em mim
um amor do tamanho do Brasil,
que me silencia
e me mata de fome
que me rompe os nervos
e que me transforma

que me transtorna
no ranger de uma
sacudidela continental
transpondo meridianos,
pelos azes do samba
pelo cheiro feijão mineiro
pelo rubor da pimenta baiana

eu tenho em mim um amor incorrigível,
pelo sotaque carioca,
pela frenesi paulistana,
pelo chimarrão do Rio Grande do Sul,
pela mulatas de Rondônia,
pelas cercanias de Brasília
e pela solidão do Acre

eu tenho um amor que dói e que fere
de saudades e de imensidão andina,
de frio, de calor, de clima
do cume do mundo
para o sul,

para o céu da América Latina.

sábado, 19 de abril de 2014

Nós

Você desperta
e eu andando líquido,
tímido sobre a calçada

teu batom rosa,
meu peito nú,
tua mini saia
de borracha
e o abismo
entre a voz
e a sombra
dos carros
que passam
cantando freios

a praça cheia,
os ambulantes,
os velhos que mancam,
as ciganas da quiromancia,
uma prostituta deitada
sobre o banco,
um estardalhaço

todos eles personagens,
todos eles inertes,
todos eles sonetos,
todos eles nossos,
teus e meus versos,
e a tarde,
que se mais falasse
seria muda

eu e a esperança
de te ver de novo,
mascando chicletes
e trocando passos
de mãos dadas,
você flertando comigo
e eu embasbacado

você nua nas ruas da república
e eu à espera da meia noite
que não chega,
e de um ranger de ossos,
e de um bater de dentes

eu e você,
como se fosse sólido,
somo se fosse ontem,
como se fosse SEDE.



quarta-feira, 16 de abril de 2014

sobre a fala

sempre a voz,
transcendente
surda,
indescritível
nunca a história,
fria,
calculada,
racionalizada,
crível

sob cada verso
um falar sincrônico,
uma fala apertada,
um soar robusto

seja tênue,
seja torno,
seja nível

terça-feira, 15 de abril de 2014

Poema para um filho

esbaforidas,
as luzes andróginas
subvertem o ambiente,
o corpo da cidade,
da sequência,
da atrofia

em pleno século vinte e um
secam-se os homens
como a vasos de barro
produzidos em cadeia,
livres das mãos e pés,
à passos de escolhas
limitadas

em digno contemplar
legitimam as pérolas,
o ouro, o brilho das insígnias,
a suprema ordem que rege
a distância dos muros do castelo
a tosca lógica hierárquica
do indizível e do inimaginável,
o descolamento dos homens
de sua humanidade

aleijados,
filhos prematuros,
arrastam se os pobres,
as pedras, os padres,
às pressas,
produtos soturnos

em paz de concreto,
de ferro, de pólvora
em um nenhum futuro,
em um real inerte,
carente
e absurdo


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Sobre Bach

Ao riso escolho
a melancolia,
autêntica,
que intocada
deixe-me alegre
por sua caridade
e ausência 
de desprezo

Aos outros deixo
a somente a dúvida
e a certeza
de que nada além existe
se não o silêncio
e a perfeita harmonia entre
uma nota e suas oitavas

Sutilmente encadeadas,
ligeiramente cadenciadas,
entre um intervalo 
e um encantamento
entre uma suite
e um concerto

sexta-feira, 28 de março de 2014

História

Homem/diabo
da lucidez
diálogo
lastro
estúpida cena
acaba-se em devaneios
de febre

Fere-te a instância
Automática
Retraída inerte
em sobras e sobras
de homens sóbrios
de sabres nas mãos

paus e pedras
homens e verbas
perdas e ganhos
histórias agudas
que brotam
do ritmo
da rapidez  
do fluxo
solar

quinta-feira, 27 de março de 2014

Coração

Meu coração parou
em meio a rua, 
em meio ao tédio,
em meio a lua

Parou porque viu
um coração de mãe
apertado,
uma criança nua 
no viaduto,
um cão manco
que andava por saltinhos

Parou porque percebeu 
sua impotência,
sua  insignificância,
sua inocência

Parou porque 
era de carne,de sangue,
porque era fraco,
porque não era
capaz de ver os homens
sujos, caídos, machucados,
ínfimos, ríspidos, despedaçados

mas, acima de tudo,
parou porque batia
em meio ao silêncio.

quinta-feira, 13 de março de 2014

Revolta

Fazer da ausência,
meio de vida,
existir entre frestas,
como reflexo opaco
nos vidros da janela,
mal iluminada

Violentar os campos
da discórdia,
do desgosto,
do desespero,
libertar os homens
de sua humilhação,
expulsá-los
de sua condição
de expulsos,
de expurgados

Tornar-me neutro,
incolor,
apreensível,
sentir na língua
o suor da pele
que gravita
pelos seios,
pelos pêlos,
pelas plebes

Mergulhar no siso,
inquietar-me,
fazer do pão a massa,
da massa o grito,
da escravidão o riso,
de um passado em risco,
das barreiras a convulsão


Fazer da fraqueza
a força,
da terra o chão
da menina a moça,
da liberdade
exatidão



terça-feira, 11 de março de 2014

Despertar


Desperto do espaço
no frio da noite,
na cama da lua,
no calor do mormaço

Desperto do sonho,
como o ás do entorno,
como revvolta sintética,
livre da forma,
da harmonia,
ou do medo,
ou de qualquer
estética

Desperto do infinito
semblante triste,
da marejada face
cunhada em riste,
do brilho calmo
do desconforto,
da alma inerte,
do corpo morto.

Eternamente,
desperto,
da fome,
do medo,
da aurora,
um pouco do todo,
que fui,
desabrigado,
de outrora.

segunda-feira, 10 de março de 2014

Sally


Repentina paixão
me despertaste.
Teu olhar biônico,
teu ser reminiscente,
teu sangue libertário.
Fez de mim o meu contrário,
entre a ficção e a realidade.
Nossos corpos, as tatuagens,
tudo combinado,
é a perfeita harmonia do caos.
Visto então o vestido preto,
consciente de meu cárcere,
Celebro teu luto eterno
em um copo de vinho,tão seco
quanto o abismo que nos separa.
Olho atento os rabiscos no papel,
não tem forma ou métrica,
é você, simplesmente você
Nem mais, nem menos.
E talvez um pouco de mim.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Terminal

Houve um tempo em que caminhar era tarefa simples, os passos cadenciavam-se naturalmente sobre as ruas retilíneas, sobre as declividades, sobre os corpos desfalecidos de goiabas maduras no asfalto, meu corpo era um trator, uma máquina de moer milhas.

Sentava-me à mesa com minhas meias frias, pratos de louça, talheres de plástico e deglutia uma refeição sóbria juntamente com sonhos, planos e perspectivas que se colocavam no caminho. Da radiola da sala ecoava um som fraco de violino e saxofone que logo se transmutaram em estrondos de terremotos e solavancos, estilhaçando as taças de vidro e gotas de vinho que continham. Nada restava do sol além dos bolinhos de madalena sobre a mesa.

Os jornais falavam sobre ortodoxia econômica, controle da balança de câmbio, inelasticidade do mercado de insumos, de minha parte (mesmo tendo passado anos na faculdade de economia) nada fazia sentido, só a comida do prato que me escorria por entre os dedos das mãos, como a liquidez monetária de que falava o artigo de capa do folhetim de sábado, como as gotas de suor que me acompanhavam após uma noite de sono extremamente curta e perturbada por pesadelos onde me perseguiam vendedores de seguro, gerentes de banco e a ausência dos móveis de minha casa que começavam a se desfazer. Dedos ou dados, todos eram indicadores.

As tardes então eram todas frias e compridas, não em termos climáticos, mas estadísticos, dos sonhos do passado só sobrara a capacidade de sonhar, escondida entre os vãos do assoalho da sala de estar e temente da possibilidade de novos abalos sísmicos.  Setenta anos eu tinha, embora só tivesse vivido vinte e nove e os vincos em minha testa acentuavam-se independentemente de minha vontade, disposição de mudança, ou da melhora de minha artrite.

Nunca havia sido materialista, nunca até então havia querido mais do que uma pequena casa, com um jardim de frente e uma menininha de vermelho, nada além do direito de todos terem uma pequena casa, com um jardim de frente e uma menininha de vermelho (como no poema de Vinícius de Moraes), mas agora tinha que me contentar com o gosto amargo da esperança que explodia, convulsionada, inundava minha cavidade bucal bloqueando a entrada de minhas glândulas salivares, deslocando minha arcada dentária, cerrando meus lábios e pondo em meu rosto uma expressão séria.

Deitava-me em frente a estátua de homens que marchavam a cavalo. Sob o sol nu, repousava nos ladrilhos fétidos da praça central, clamando por um Teseu, Aquiles, ou qualquer outro ser humano de fibra, paciência, orgulho e um tanto de boa disposição, por qualquer bom sentimento que me colocasse à frente da guerra de Troia. Eu era a goiaba esmagada no asfalto, o pescoço dado à guilhotina, a vibração bucal das cordas que morria em tons e semitons.

Os letreiros luminosos da cidade formavam anagramas, “cadey”, “dacey”, “aceyd”, todas elas mensagens subliminares de minha loucura que começavam à tomar forma, previsões paranoicas, planos de atentados terroristas, enquanto um vizinho me alertava sobre a chuva iminente e sobre o risco de ficarmos encharcados andando dessa forma à esmo. Estaquei em frente à uma loja cuja placa na porta de frente indicava “Closed” e que me convidava a entrada.

Do interior do prédio ouvia-se longínqua uma melodia misteriosa, familiar, errante, a nona sinfonia de Beethoven que me era agora ao mesmo tempo os restos de bolinho de madalena e uma fenda mortal entre dois mundos, que projetava na mente esferas azuis celestes e me mantinha estático, ditando o ritmo das sístoles e diástoles que teimavam em crepitar como restos de lenha calcinada.

Sob a chuva compreendi os limites de uma vida austera, a profundidade das bocas de lobo que infestavam a cidade, o destino hermético de José Arcádio Buendía que se colocava para mim como trajetória única, pensei que solidão, se fosse mesmo um conceito preciso, chamar-se-ia liquidão, pois no fundo, nada mais solitário do que uma vida sem paz. Abracei-me à um poste e adormeci, luzes de sirenes bombardeavam minhas costas enquanto eu, por minha parte, germinava em frente ao espelho.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Cena 01

Deslizes,
devaneios,
diretrizes,
enleios 

findou-se a pérola,
findou-se a dama,
findou-se a história,
findou-se o drama,
findou-se o personagem,
findou-se a trama

de tudo,
restou somente o homem,
diletante,simples, 
descaracterizado,
sem poderes,
sem pudores,
esvaziado,
ébrio sobre a terra,
irrealizado,
firme sobre a pedra,
portador do medo
e da distância




segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Lastros

Lastros,
Ossos metálicos,
pulmões de pedra,
mentes de aço,
a chuva verte pelos orifícios,
os fuzis choram noite à fora,
o mundo gira em descompasso


Não crer em nada,
nem nas revistas,
nem nos ambientalistas
nem nos empresários
nem nas grades de ferro
da janela do quarto,
nem na palavra dos homens,
nem nas palavras nobres
nem na autoridade do estado,


Faltam dias,
faltam guias,
sobram  rastros,
fazem do mundo a matéria,
fazem da vida a miséria
fazem do medo o mercado,
da solidão o credo,
da ilusão o concreto,
da desunião o quadro,
faltam meios,
faltam vias,
faltam lastros.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

A invenção de Darwin

A vida passa,
em descompasso,
no silêncio da rua,
no calor do abraço,
no barulho da pedra,
no frio do aço

Dia a dia,
segundo a segundo,
o mundo inventa os homens,
e os homens inventam o mundo,
sejam eles estéreis,
pobres, mártires, infecundos,
seja sua vida nobre,
seu corpo pobre,
sejam seus sonhos tudo

E de tão pouco ser,
tanto ainda serão,
seja o homem filho,
pai, irmão,
seja sua sina a febre,
amor, solidão,
seja seu rumo
a estrada,
dor, evolução,
sendo o mundo nada,
sendo tudo nada,
tudo é invenção.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Dédalo

Mãos firmes no corrimão da escada,
nada em volta é sólido,
lábios, latidos, partidos, em convulsão,
têmporas expostas, luzes, medo,
da fome, do frio que se aproxima,
do mundo que se agita ao redor,
da trilha amarga de pegadas
na estrada de lama.

Seria o mundo
um solstício aterrorizante,
inverno duro,
furacão que sopra
e apaga a graça do voo
da libélula?

Quem dera eu ser minotauro,
senhor dos caminhos,
dispensar oráculos,
ser livre de enigmas,
de terremotos,
da solidão do monte Olimpo
erguido em metal 
concreto e vidro,
praças, avenidas,
invenções.

E se não houvesse tempo,
se tudo fosse mental no lugar de concreto,
que assim fosse,
que o tempo se esvaísse
e deixasse o sangue dos homens livre,
que não mais fosse contado,
 venerado, medido,
e que nada mais o interrompesse.

Parem tudo! - Disse o Dédalo
Uma flor nasceu na rua,
foi atropelada por um carro
e se extinguiu

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Cidadania



Para Denis Pinho


Dar-te-ei tudo que tenho,

num lampejo, num sorriso,
fazendo de inferno a terra,
de falsidade o paraíso.

Varrerei tua calçada,

com atino e compromisso,
para que passes na levada,
nas mamas do estado omisso.

Abracar-te-ei,

fingirei-me de feliz,
sendo eu Antônio,
Homem,
tua puta, meretriz,
que de tanto não querer mais,
tive que dizer que quis.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Fluxo

Para meus amigo Denis Pinho e Bruno Furlanetto, que tanto me fazem pensar na vida.




O amanhecer colore a grama em fúria, um verde errante, maduro, brutal. O vento íngreme sopra na calçada enquanto troco passos e escrevo palavras. Não sei se existe um espírito para a modernidade ou para o dia de hoje, sei que se ergue em mim e em meus semelhantes uma nostalgia diária que nos impele a sair de casa, e que nos devolve ao anoitecer para que mofemos e minguemos como as chamas do sol de um meio dia exausto.

Olhar ao redor é ver tudo aumentado, idílico, livre de impurezas, tudo que não sou eu brilha, a namorada do desconhecido, o emprego do melhor amigo, a tranquilidade do primo, a sorte do ganhador da Mega-Sena, tudo se confunde em minha visão míope e limitada da vida humana.

Olhar para frente é temer, é deixar que um amontoado de incertezas e inseguranças invada a consciência, é permitir que um maremoto de reações químicas e sinapses tomem o controle, é aceitar o fado da guilhotina do mundo que fatia o presente sobre as promessas de um futuro que nem se quer existe.

Olhar para trás não é menos desconfortante, ver tudo que se foi, que simplesmente passou, os amigos, os inimigos, os avós, os pais, a paixão, a adolescência, a juventude. Talvez eu me torne um velho casmurro e desdentado que anda pelas ruas da cidade à resmungar em silêncio, ou talvez um lunático que grita palavras de ordem no meio de disparates, tenho saudades de mim.

Sinto um aperto no ombro, alguém que nunca vi me chama, estou parado no meio de uma rua, de frente para um semáforo vermelho e rodeado por motoristas raivosos que se pudessem me atropelariam sem exitar. Percebo por um momento que o mundo não se resume a meu ser tênue e sua solidão, que neste exato segundo há monges meditando no Tibete, crianças nascendo nos hospitais, jovens sendo assassinados pelo tráfico ou por policiais sedentos de sangue, senhores de meia idade embriagados nos bares buscando uma fuga para suas vidas medíocres, percebo que outros passam fome, que limpam os vidros dos carros para sobreviver, que nem todos os quadros de Van Gogh são incandescentes e bucólicos, e que alguns guardam uma simplicidade triste e achatada.

Um nó aperta minha garganta e me sufoca enquanto termino de atravessar a rua e deixo a via livre para a circulação dos automóveis. Como pude me esquecer de tudo que não sou eu? Como pude abrir mão, espontaneamente, de minha participação ativa no mundo? Seria essa a náusea a qual sofre o personagem de Jean Paul Sartre? Seria esse o subsolo úmido e apertado de Dostoyevski?

A realidade agora me soa estranha, apartada, um lugar inóspito cheio de certezas frágeis e pessoas aprisionadas em suas bolhas de sonho, plástico e silício. Lembro-me agora da fala de Georg Simmel “ Não há lugar mais solitário que uma multidão”. Seria esse o mal das metrópoles? Do mundo atual? De meus olhos desacostumados com a luz?

Decido reforçar o contato com o exterior, criar maior intimidade com as coisas, estreitar o laço, compro um jornal, fico a par da vida alheia pelas frases curtas e linhas borradas, sou culto, bem informado, o protótipo do cidadão politizado. Mas que ritual estranho.

Não é o bastante, todo o esforço empregado na leitura daquelas letras minúsculas só me serviu para construir uma imagem de mim, mais polida, mas não menos isolada, mais séria, mas descontínua, como se meu mundo agora fosse parte daquela realidade de cores desbotadas impressas na folha daquele jornal velho de hoje. Seria eu uma notícia? Um número? Estatística? E quanto aos meus planos? Meu futuro? Meus sonhos? E quanto ao direito dos outros terem planos, futuro, sonhos? Seria o indivíduo fruto do reconhecimento mútuo, como dizia Hegel? Seriam todas as relações entre os homens reguladas pela dialética senhor-escravo? Teria sido Marx profeta ao ter anunciado a alienação do homem perante o outro homem pelo próprio homem? Seria ele o oráculo da felicidade pré fabricada, das vidas prontas, dos alimentos congelados?

A vida para mim é uma sombra que invade meus pensamentos, se silhueta firma, mas de fisionomia pouco nítida. Dados de realidade se embaralham em minha cabeça com esquemas teóricos, com letras de música, com fotografias, com versos de Fernando Pessoa. “Eu não sou nada, nunca serei nada, nem posso querer ser nada, a parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo...”


Acho que no fundo nada é tão coerente ou tão sistemático quanto parece, acho que não há fórmula e que no fim (se o fim existe) uma coisa puxa a outra e assim vai. No fim talvez o que nos resta seja caminhar de olhos fechados, sem vislumbrar uma única direção, pois o ontem, o hoje, o amanhã e mesmo o outro, é tão incerto quanto todo o resto, e a sensibilidade seja a única coisa que nos permita manter contato. E no fim, talvez o fluxo que arrasta todas as pessoas, todas as vidas, todas as coisas, seja esse mesmo, que começou com o amanhecer pondo cor na grama e que terminará sabe-se lá onde.  

sábado, 11 de janeiro de 2014

Olhar

Olho nu em frente o espelho,
nos vãos do aço
desenha-se a forma mágica
do meu olhar

Entre os elos metálicos
a densa esfera,
turva e maculada
me observa em reação
fria e estática

Afasto-me em passos ígneos,
cruzo a porta em rompante,
dou com a rua,
apresso-me pelas bordas
da calçada,
desvio das borboletas,
arranco pelos corredores
da avenida central

Vou em choque,
criando e recriando
a sombra de paisagens
incandescentes,
de velhos carpindo
a chuva

Um mendigo me aborda,
moços e moças dançam bêbados,
homens de terno reclamam do trânsito,
donas de casa das filas,
executivas das meias finas,
os taxistas da falta de sorte

Um gosto amargo na garganta,
pernas trêmulas,
sentado em frente ao mar,
sobre os muros da represa
enxergo o mundo solto,
livre de mim e abandonado em versos
de obliteração e metástase

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Precipício


Arrastado à beira,
no cume do precipício,
corria-me pelo sangue
a vida,
pela vida corria-me
o suplício

Em um delírio queria a morte,
em uma arrancada temia o mundo,
de tudo e de toda a sorte,
de tanto andar, seguia mudo.

Caído,
desconjuntado,
absurdo,
o filho pródigo do dia
de ontem,
agora era tão frio,
quanto a velhice
de tudo

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Esboço


Como pode, o luto arrastado,
o torpor intocado, o frio aumentado,
refinar-se na forma sutíl da poesia?

Como pode, a frágil borboleta,
escapar do casúlo de aço,
mergulhar em um voô ágil,
e transformar toda a ordem,
em descompasso?

Como é possível, que a ressonância aguda,
que os graves dissonantes,
que o curto intervalo das notas,
despertem nas crianças,
a ira delicada, deficiente, muda?

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Mulheres Híbridas

Nas ruas,
do cais, das praças,
das luas, dos sais,
deparei me um dia
com as mulheres híbridas,
que eram carregadas,
que eram fímbrias
de olhos tristes,
lusas, musas, índias,
feitas de ferro,
feitas de cor,
feitas também de tinta

Vozes aquiescidas,
braços atenazados,
unhas de carne roída,
corpos imóveis sob a cartola,
que o mágico das ruas tira,
sobre o cume das vozes hipócritas,
sob os vestidos de espessura fina

Uma chaga por hora corrida,
um cliente a cada esquina,
acidentes no asfalto homérico,
calçadas de rua sem saída,
prostitutas no mundo dos homens,
meninos que o mundo fez meninas

Uma abraça uma sombra,
outra flerta com o ácido,
cianídrico, gástrico,
eu, por faltarem palavras,
crio neologismos
seriam elas homens,
mulheres,


ou mulheres híbridas?