Uma palavra ao vazio,
passos se cruzam
circulam pela praça
o vento ergue as folhas em redemoinho,
o chão tormentoso completa a visão rustica,
os bancos de pedra dura sorriem,
sopram uma canção de fim de outonono,
um hino.
não há uma alma viva,
nada entre mim e o contemplar estático
de uma rua morta
ando em valsa, cirandeio,
largo a praça, passo.
vivo ou morto,
vivo o novo,
uma outra metade,
meu sítio é nunca.
quarta-feira, 29 de outubro de 2014
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
Meio Azul meio nada
Um dia cinza
e essas lágrimas
que caem dos olhos,
meio azuis,
meio nada,
sobre a boca amarga,
sobre a barba serrada.
Sento-me quieto,
olhando pro céu,
para a ausência de sol,
para o vazio que toma
o canto da alma,
o silencio que sopra
do canto dos pássaros,
e os sons dos martelos
que caem sobre minha
cabeça.
As semanas passam
sobre minha carcaça,
esbarram em meu esqueleto,
e me deixam mais magro
cada hora um novo aperto,
cada dia uma ameaça,
de tudo e de mim mesmo,
pra que o ego se contenha,
pra que o sonho se desfaça.
E olhando pro mundo assim,
tudo mudo e o que me resta,
pela lente do tempo,
pelo vazio da fresta,
sigo cego e absorto,
à espera de um tudo,
à espera de um tanto.
e essas lágrimas
que caem dos olhos,
meio azuis,
meio nada,
sobre a boca amarga,
sobre a barba serrada.
Sento-me quieto,
olhando pro céu,
para a ausência de sol,
para o vazio que toma
o canto da alma,
o silencio que sopra
do canto dos pássaros,
e os sons dos martelos
que caem sobre minha
cabeça.
As semanas passam
sobre minha carcaça,
esbarram em meu esqueleto,
e me deixam mais magro
cada hora um novo aperto,
cada dia uma ameaça,
de tudo e de mim mesmo,
pra que o ego se contenha,
pra que o sonho se desfaça.
E olhando pro mundo assim,
tudo mudo e o que me resta,
pela lente do tempo,
pelo vazio da fresta,
sigo cego e absorto,
à espera de um tudo,
à espera de um tanto.
sábado, 19 de julho de 2014
Duplo Epitáfio
Que a solidão
parta-me em dois
para que já não fique
sozinho
Dizem ser o rompimento
o caminho dos fortes
e dos sem alma
Daqueles que uivam
e que choram
sem razão,
por não saberem gritar
Morreu hoje
Rubem Alves,
morreu ontem
João Ubaldo
e eu,que pouco os conhecia,
poço de ignorância,
estou de luto
por ambos
De luto
por dois estrangeiros,
por dois homens do Brasil,
de luto pela literatura
e pela extrema presença
de um mundo
vazio.
Epílogo
Esse verso
dedico à distância,
que de tão cruel
me tornou aspero
e menos afoito
Dedico
às palavras
mal gastas,
aos soluços
repreendidos
e à fome,
que desde então
me alimenta
sexta-feira, 4 de julho de 2014
Desejos
Eu quero o silêncio dos homens,
rompido.
O grito de choro, sufocado.
A energia atômica
dos brados de fúria
liberada.
Eu quero a revolta e o motivo,
que o mundo saiba que é mundo,
e que a sorte seja só
mais uma imperfeição
Eu quero que a insatisfação
seja legítima.
Quero que seja absurda.
Eu quero que a vida saiba
que é nossa.
Eu quero mais,e quero além,
porque o agora não basta
porque o agora é ninguém.
rompido.
O grito de choro, sufocado.
A energia atômica
dos brados de fúria
liberada.
Eu quero a revolta e o motivo,
que o mundo saiba que é mundo,
e que a sorte seja só
mais uma imperfeição
Eu quero que a insatisfação
seja legítima.
Quero que seja absurda.
Eu quero que a vida saiba
que é nossa.
Eu quero mais,e quero além,
porque o agora não basta
porque o agora é ninguém.
quarta-feira, 18 de junho de 2014
terça-feira, 27 de maio de 2014
Lamúrios de outono
Hoje eu acordei
e me senti mundano,
congelado pelo frio
que vem de minha janela
açoitado pela dor de estar
vivo
Hoje,
acordei vendo o mundo
longe de minha
paranoia,
repleto de cores,
livre de minha
indecência
Não que esteja triste,
ou feliz,
não seja neutro,
Simplesmente sinto,
vaga e estilhaçada,
essa maldita hora
que vim ao fundo,
que vim ao tédio,
que vim ao mundo
pela enésima vez
em uma vida só.
quarta-feira, 21 de maio de 2014
Poesia Enviesada
O POVO GRITA!
Soltas, as vozes se perdem,
no vácuo, na ribanceira
Quem é o povo?
Quem está de acordo?
Quem são todos esses, calados?
Dizem ser todos
massa de manobra,
midiática, sindical.
Quem é seu próprio guia?
Dizem ser culpa da copa,
menos futebol e mais hospitais,
menos impostos, mais ganhos reais,
a culpa é sempre to estado,
que interfere demais.
A culpa é dos PTralhas,
dos corruptos, bandidos de terno,
a culpa é das mulheres de esquerda,
que rejeitam os liberais.
O BRAZIL não tem mais jeito,
é assim desde a fundação,
não há nada para ser feito,
vamos todos pra EUROPA,
vamos embora de avião,
nós que somos o povo eleito,
criadores da negação,
deixemos esse país liberto
de toda nossa,
abominação
Soltas, as vozes se perdem,
no vácuo, na ribanceira
Quem é o povo?
Quem está de acordo?
Quem são todos esses, calados?
Dizem ser todos
massa de manobra,
midiática, sindical.
Quem é seu próprio guia?
Dizem ser culpa da copa,
menos futebol e mais hospitais,
menos impostos, mais ganhos reais,
a culpa é sempre to estado,
que interfere demais.
A culpa é dos PTralhas,
dos corruptos, bandidos de terno,
a culpa é das mulheres de esquerda,
que rejeitam os liberais.
O BRAZIL não tem mais jeito,
é assim desde a fundação,
não há nada para ser feito,
vamos todos pra EUROPA,
vamos embora de avião,
nós que somos o povo eleito,
criadores da negação,
deixemos esse país liberto
de toda nossa,
abominação
quarta-feira, 7 de maio de 2014
Lembrança
Muito do que fora dito,
agora então, se escondia
em vácuos de sólida pedra
em rios bravios de lamparinas
O instante agora ontem,
vinho seco, pedra fria,
era o soco, minuto cadente,
em sobra, desespero
e alegria.
agora então, se escondia
em vácuos de sólida pedra
em rios bravios de lamparinas
O instante agora ontem,
vinho seco, pedra fria,
era o soco, minuto cadente,
em sobra, desespero
e alegria.
Paisagem
Eu vi a luz na sombra
e os corpos dos homens
que sedimentavam-se
nos vãos e trilhos
das estações de trem
Terminais,
como se fossem fins
ou como lacres ou tampas
de garrafas vazias de
álcool
Soltos, retilíneos,
livres como chamas
nas pontas de palitos
de fósforo,
acesas como luzes,
no túnel das sombras
Calcinados,
estampas velhas,
gastas do sol
e do frio
que racha a sobra
velha
do tártaro
e dos dias.
e os corpos dos homens
que sedimentavam-se
nos vãos e trilhos
das estações de trem
Terminais,
como se fossem fins
ou como lacres ou tampas
de garrafas vazias de
álcool
Soltos, retilíneos,
livres como chamas
nas pontas de palitos
de fósforo,
acesas como luzes,
no túnel das sombras
Calcinados,
estampas velhas,
gastas do sol
e do frio
que racha a sobra
velha
do tártaro
e dos dias.
quinta-feira, 24 de abril de 2014
Brasil, palavra saudade
Eu tenho em
mim
um amor do
tamanho do Brasil,
que me
silencia
e me mata
de fome
que me
rompe os nervos
e que me
transforma
que me
transtorna
no ranger
de uma
sacudidela
continental
transpondo
meridianos,
pelos azes
do samba
pelo cheiro
feijão mineiro
pelo rubor
da pimenta baiana
eu
tenho em mim um amor incorrigível,
pelo
sotaque carioca,
pela
frenesi paulistana,
pelo
chimarrão do Rio Grande do Sul,
pela
mulatas de Rondônia,
pelas
cercanias de Brasília
e pela
solidão do Acre
eu tenho um
amor que dói e que fere
de saudades
e de imensidão andina,
de frio, de
calor, de clima
do cume do
mundo
para o sul,
para o céu
da América Latina.
sábado, 19 de abril de 2014
Nós
Você desperta
e eu andando líquido,
tímido sobre a calçada
teu batom rosa,
meu peito nú,
tua mini saia
de borracha
e o abismo
entre a voz
e a sombra
dos carros
que passam
cantando freios
a praça cheia,
os ambulantes,
os velhos que mancam,
as ciganas da quiromancia,
uma prostituta deitada
sobre o banco,
um estardalhaço
todos eles personagens,
todos eles inertes,
todos eles sonetos,
todos eles nossos,
teus e meus versos,
e a tarde,
que se mais falasse
seria muda
eu e a esperança
de te ver de novo,
mascando chicletes
e trocando passos
de mãos dadas,
você flertando comigo
e eu embasbacado
você nua nas ruas da república
e eu à espera da meia noite
que não chega,
e de um ranger de ossos,
e de um bater de dentes
eu e você,
como se fosse sólido,
somo se fosse ontem,
como se fosse SEDE.
e eu andando líquido,
tímido sobre a calçada
teu batom rosa,
meu peito nú,
tua mini saia
de borracha
e o abismo
entre a voz
e a sombra
dos carros
que passam
cantando freios
a praça cheia,
os ambulantes,
os velhos que mancam,
as ciganas da quiromancia,
uma prostituta deitada
sobre o banco,
um estardalhaço
todos eles personagens,
todos eles inertes,
todos eles sonetos,
todos eles nossos,
teus e meus versos,
e a tarde,
que se mais falasse
seria muda
eu e a esperança
de te ver de novo,
mascando chicletes
e trocando passos
de mãos dadas,
você flertando comigo
e eu embasbacado
você nua nas ruas da república
e eu à espera da meia noite
que não chega,
e de um ranger de ossos,
e de um bater de dentes
eu e você,
como se fosse sólido,
somo se fosse ontem,
como se fosse SEDE.
quarta-feira, 16 de abril de 2014
sobre a fala
sempre a voz,
transcendente
surda,
indescritível
nunca a história,
fria,
calculada,
racionalizada,
crível
sob cada verso
um falar sincrônico,
uma fala apertada,
um soar robusto
seja tênue,
seja torno,
seja nível
transcendente
surda,
indescritível
nunca a história,
fria,
calculada,
racionalizada,
crível
sob cada verso
um falar sincrônico,
uma fala apertada,
um soar robusto
seja tênue,
seja torno,
seja nível
terça-feira, 15 de abril de 2014
Poema para um filho
esbaforidas,
as luzes andróginas
subvertem o ambiente,
o corpo da cidade,
da sequência,
da atrofia
em pleno século vinte e um
secam-se os homens
como a vasos de barro
produzidos em cadeia,
livres das mãos e pés,
à passos de escolhas
limitadas
em digno contemplar
legitimam as pérolas,
o ouro, o brilho das insígnias,
a suprema ordem que rege
a distância dos muros do castelo
a tosca lógica hierárquica
do indizível e do inimaginável,
o descolamento dos homens
de sua humanidade
aleijados,
filhos prematuros,
arrastam se os pobres,
as pedras, os padres,
às pressas,
produtos soturnos
em paz de concreto,
de ferro, de pólvora
em um nenhum futuro,
em um real inerte,
carente
e absurdo
as luzes andróginas
subvertem o ambiente,
o corpo da cidade,
da sequência,
da atrofia
em pleno século vinte e um
secam-se os homens
como a vasos de barro
produzidos em cadeia,
livres das mãos e pés,
à passos de escolhas
limitadas
em digno contemplar
legitimam as pérolas,
o ouro, o brilho das insígnias,
a suprema ordem que rege
a distância dos muros do castelo
a tosca lógica hierárquica
do indizível e do inimaginável,
o descolamento dos homens
de sua humanidade
aleijados,
filhos prematuros,
arrastam se os pobres,
as pedras, os padres,
às pressas,
produtos soturnos
em paz de concreto,
de ferro, de pólvora
em um nenhum futuro,
em um real inerte,
carente
e absurdo
segunda-feira, 7 de abril de 2014
Sobre Bach
Ao riso escolho
Sutilmente encadeadas,
a melancolia,
autêntica,
que intocada
deixe-me alegre
por sua caridade
e ausência
de desprezo
Aos outros deixo
a somente a dúvida
e a certeza
de que nada além existe
se não o silêncio
e a perfeita harmonia entre
uma nota e suas oitavas
Sutilmente encadeadas,
ligeiramente cadenciadas,
entre um intervalo
e um encantamento
entre uma suite
e um concerto
sexta-feira, 28 de março de 2014
História
Homem/diabo
da lucidez
diálogo
lastro
estúpida cena
acaba-se em devaneios
de febre
Fere-te a instância
Automática
Retraída inerte
em sobras e sobras
de homens sóbrios
de sabres nas mãos
paus e pedras
homens e verbas
perdas e ganhos
histórias agudas
que brotam
do ritmo
do ritmo
da rapidez
do fluxo
solar
quinta-feira, 27 de março de 2014
Coração
Meu coração parou
em meio a rua,
em meio ao tédio,
em meio a lua
Parou porque viu
um coração de mãe
apertado,
uma criança nua
no viaduto,
um cão manco
que andava por saltinhos
Parou porque percebeu
sua impotência,
sua insignificância,
sua inocência
Parou porque
era de carne,de sangue,
porque era fraco,
porque não era
capaz de ver os homens
sujos, caídos, machucados,
ínfimos, ríspidos, despedaçados
mas, acima de tudo,
parou porque batia
em meio ao silêncio.
em meio a rua,
em meio ao tédio,
em meio a lua
Parou porque viu
um coração de mãe
apertado,
uma criança nua
no viaduto,
um cão manco
que andava por saltinhos
Parou porque percebeu
sua impotência,
sua insignificância,
sua inocência
Parou porque
era de carne,de sangue,
porque era fraco,
porque não era
capaz de ver os homens
sujos, caídos, machucados,
ínfimos, ríspidos, despedaçados
mas, acima de tudo,
parou porque batia
em meio ao silêncio.
quinta-feira, 13 de março de 2014
Revolta
Fazer da ausência,
meio de vida,
existir entre frestas,
como reflexo opaco
nos vidros da janela,
mal iluminada
Violentar os campos
da discórdia,
do desgosto,
do desespero,
libertar os homens
de sua humilhação,
expulsá-los
de sua condição
de expulsos,
de expurgados
Tornar-me neutro,
incolor,
apreensível,
sentir na língua
o suor da pele
que gravita
pelos seios,
pelos pêlos,
pelas plebes
Mergulhar no siso,
inquietar-me,
fazer do pão a massa,
da massa o grito,
da escravidão o riso,
de um passado em risco,
das barreiras a convulsão
Fazer da fraqueza
a força,
da terra o chão
da menina a moça,
da liberdade
exatidão
meio de vida,
existir entre frestas,
como reflexo opaco
nos vidros da janela,
mal iluminada
Violentar os campos
da discórdia,
do desgosto,
do desespero,
libertar os homens
de sua humilhação,
expulsá-los
de sua condição
de expulsos,
de expurgados
Tornar-me neutro,
incolor,
apreensível,
sentir na língua
o suor da pele
que gravita
pelos seios,
pelos pêlos,
pelas plebes
Mergulhar no siso,
inquietar-me,
fazer do pão a massa,
da massa o grito,
da escravidão o riso,
de um passado em risco,
das barreiras a convulsão
Fazer da fraqueza
a força,
da terra o chão
da menina a moça,
da liberdade
exatidão
terça-feira, 11 de março de 2014
Despertar
Desperto do espaço
no frio da noite,
na cama da lua,
no calor do mormaço
Desperto do sonho,
como o ás do entorno,
como revvolta sintética,
livre da forma,
da harmonia,
ou do medo,
no frio da noite,
na cama da lua,
no calor do mormaço
Desperto do sonho,
como o ás do entorno,
como revvolta sintética,
livre da forma,
da harmonia,
ou do medo,
ou de qualquer
estética
Desperto do infinito
semblante triste,
da marejada face
cunhada em riste,
do brilho calmo
do desconforto,
da alma inerte,
do corpo morto.
Eternamente,
desperto,
da fome,
do medo,
da aurora,
um pouco do todo,
que fui,
desabrigado,
de outrora.
Desperto do infinito
semblante triste,
da marejada face
cunhada em riste,
do brilho calmo
do desconforto,
da alma inerte,
do corpo morto.
Eternamente,
desperto,
da fome,
do medo,
da aurora,
um pouco do todo,
que fui,
desabrigado,
de outrora.
segunda-feira, 10 de março de 2014
Sally
Repentina paixão
me despertaste.
Teu olhar biônico,
teu ser reminiscente,
teu sangue libertário.
Fez de mim o meu contrário,
entre a ficção e a realidade.
Nossos corpos, as tatuagens,
tudo combinado,
é a perfeita harmonia do caos.
Visto então o vestido preto,
consciente de meu cárcere,
Celebro teu luto eterno
em um copo de vinho,tão seco
quanto o abismo que nos separa.
Olho atento os rabiscos no papel,
não tem forma ou métrica,
é você, simplesmente você
Nem mais, nem menos.
E talvez um pouco de mim.
me despertaste.
Teu olhar biônico,
teu ser reminiscente,
teu sangue libertário.
Fez de mim o meu contrário,
entre a ficção e a realidade.
Nossos corpos, as tatuagens,
tudo combinado,
é a perfeita harmonia do caos.
Visto então o vestido preto,
consciente de meu cárcere,
Celebro teu luto eterno
em um copo de vinho,tão seco
quanto o abismo que nos separa.
Olho atento os rabiscos no papel,
não tem forma ou métrica,
é você, simplesmente você
Nem mais, nem menos.
E talvez um pouco de mim.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
Terminal
Houve um
tempo em que caminhar era tarefa simples, os passos
cadenciavam-se naturalmente sobre as ruas retilíneas, sobre as
declividades, sobre os corpos desfalecidos de goiabas maduras no
asfalto, meu corpo era um trator, uma máquina de moer milhas.
Sentava-me
à mesa com minhas meias frias, pratos de louça, talheres de
plástico e deglutia uma refeição sóbria juntamente com sonhos,
planos e perspectivas que se colocavam no caminho. Da radiola da
sala ecoava um som fraco de violino e saxofone que logo se
transmutaram em estrondos de terremotos e solavancos, estilhaçando
as taças de vidro e gotas de vinho que continham. Nada restava do sol além dos bolinhos de madalena sobre a mesa.
Os
jornais falavam sobre ortodoxia econômica, controle da balança de
câmbio, inelasticidade do mercado de insumos, de minha parte (mesmo
tendo passado anos na faculdade de economia) nada fazia
sentido, só a comida do prato que me escorria por entre os dedos das
mãos, como a liquidez monetária de que falava o artigo de capa
do folhetim de sábado, como as gotas de suor que me acompanhavam
após uma noite de sono extremamente curta e perturbada por pesadelos
onde me perseguiam vendedores de seguro, gerentes de banco e a
ausência dos móveis de minha casa que começavam a se desfazer.
Dedos ou dados, todos eram indicadores.
As tardes
então eram todas frias e compridas, não em termos climáticos, mas estadísticos, dos sonhos do passado só sobrara a capacidade de sonhar,
escondida entre os vãos do assoalho da sala de estar e temente da
possibilidade de novos abalos sísmicos. Setenta anos eu tinha,
embora só tivesse vivido vinte e nove e os vincos em minha testa
acentuavam-se independentemente de minha vontade, disposição de mudança, ou da melhora de minha artrite.
Nunca
havia sido materialista, nunca até então havia querido mais do que
uma pequena casa, com um jardim de frente e uma menininha de
vermelho, nada além do direito de todos terem uma pequena casa, com
um jardim de frente e uma menininha de vermelho (como no poema de
Vinícius de Moraes), mas agora tinha que me contentar com o gosto
amargo da esperança que explodia, convulsionada, inundava minha
cavidade bucal bloqueando a entrada de minhas glândulas salivares,
deslocando minha arcada dentária, cerrando meus lábios e pondo em
meu rosto uma expressão séria.
Deitava-me
em frente a estátua de homens que marchavam a cavalo. Sob o sol nu, repousava nos ladrilhos fétidos da praça central, clamando por um Teseu, Aquiles, ou qualquer outro ser humano de fibra, paciência,
orgulho e um tanto de boa disposição, por qualquer bom sentimento
que me colocasse à frente da guerra de Troia. Eu era a goiaba
esmagada no asfalto, o pescoço dado à guilhotina, a vibração
bucal das cordas que morria em tons e semitons.
Os
letreiros luminosos da cidade formavam anagramas, “cadey”,
“dacey”, “aceyd”, todas elas mensagens subliminares de minha
loucura que começavam à tomar forma, previsões paranoicas, planos
de atentados terroristas, enquanto um vizinho me alertava sobre a chuva
iminente e sobre o risco de ficarmos encharcados andando dessa forma à esmo. Estaquei em frente à uma loja cuja placa na porta de frente indicava
“Closed” e que me convidava a entrada.
Do
interior do prédio ouvia-se longínqua uma melodia misteriosa,
familiar, errante, a nona sinfonia de Beethoven que me era agora
ao mesmo tempo os restos de bolinho de madalena e uma fenda mortal
entre dois mundos, que projetava na mente esferas azuis celestes e me
mantinha estático, ditando o ritmo das sístoles e diástoles que
teimavam em crepitar como restos de lenha calcinada.
Sob a chuva compreendi os limites de uma vida austera, a profundidade das bocas de lobo que infestavam a cidade, o destino hermético de José Arcádio Buendía que se colocava para mim como trajetória única, pensei que solidão, se fosse mesmo um conceito preciso, chamar-se-ia liquidão, pois no fundo, nada mais solitário do que uma vida sem paz. Abracei-me à um poste e adormeci, luzes de sirenes bombardeavam minhas costas enquanto eu, por minha parte, germinava em frente ao espelho.
domingo, 23 de fevereiro de 2014
Cena 01
Deslizes,
devaneios,
diretrizes,
enleios
enleios
findou-se a pérola,
findou-se a dama,
findou-se a dama,
findou-se a história,
findou-se o drama,
findou-se o personagem,
findou-se a trama
findou-se a trama
de tudo,
restou somente o homem,
diletante,simples,
descaracterizado,
sem poderes,
sem pudores,
esvaziado,
ébrio sobre a terra,
irrealizado,
firme sobre a pedra,
portador do medo
e da distância
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014
Lastros
Lastros,
Ossos metálicos,
pulmões de pedra,
mentes de aço,
a chuva verte pelos
orifícios,
os fuzis choram noite à fora,
o mundo gira em descompasso
Não crer em nada,
nem nas revistas,
nem nos ambientalistas
nem nos empresários
nem nas grades de ferro
da janela do quarto,
nem na palavra dos homens,
nem nas palavras nobres
nem na autoridade do estado,
Faltam dias,
faltam guias,
sobram rastros,
fazem do mundo a matéria,
fazem da vida a miséria
fazem do medo o mercado,
da solidão o credo,
da ilusão o concreto,
da desunião o quadro,
faltam meios,
faltam vias,
faltam lastros.
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
A invenção de Darwin
A vida passa,
em descompasso,
no silêncio da rua,
no calor do abraço,
no barulho da pedra,
no frio do aço
Dia a dia,
segundo a segundo,
o mundo inventa os homens,
e os homens inventam o mundo,
sejam eles estéreis,
pobres, mártires, infecundos,
seja sua vida nobre,
seu corpo pobre,
sejam seus sonhos tudo
E de tão pouco ser,
tanto ainda serão,
seja o homem filho,
pai, irmão,
seja sua sina a febre,
amor, solidão,
seja seu rumo
a estrada,
dor, evolução,
sendo o mundo nada,
sendo tudo nada,
tudo é invenção.
em descompasso,
no silêncio da rua,
no calor do abraço,
no barulho da pedra,
no frio do aço
Dia a dia,
segundo a segundo,
o mundo inventa os homens,
e os homens inventam o mundo,
sejam eles estéreis,
pobres, mártires, infecundos,
seja sua vida nobre,
seu corpo pobre,
sejam seus sonhos tudo
E de tão pouco ser,
tanto ainda serão,
seja o homem filho,
pai, irmão,
seja sua sina a febre,
amor, solidão,
seja seu rumo
a estrada,
dor, evolução,
sendo o mundo nada,
sendo tudo nada,
tudo é invenção.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Dédalo
Mãos firmes no corrimão
da escada,
nada em volta é sólido,
nada em volta é sólido,
lábios, latidos, partidos, em
convulsão,
têmporas expostas, luzes, medo,
da fome, do frio que se aproxima,
do mundo que se agita ao redor,
do mundo que se agita ao redor,
da trilha amarga de pegadas
na estrada de lama.
Seria o mundo
um solstício
aterrorizante,
inverno duro,
furacão que sopra
e apaga a graça do
voo
da libélula?
Quem dera eu ser
minotauro,
senhor dos caminhos,
dispensar oráculos,
ser livre de enigmas,
de terremotos,
da solidão do monte
Olimpo
erguido em metal
concreto e
vidro,
praças, avenidas,
invenções.
praças, avenidas,
invenções.
E se não houvesse
tempo,
se tudo fosse mental no lugar de concreto,
que assim fosse,
se tudo fosse mental no lugar de concreto,
que assim fosse,
que o tempo se esvaísse
e deixasse o sangue dos homens livre,
e deixasse o sangue dos homens livre,
que não mais fosse contado,
venerado, medido,
e que nada mais o interrompesse.
e que nada mais o interrompesse.
Parem tudo! - Disse o
Dédalo
Uma flor nasceu na rua,
foi atropelada por um
carro
e se extinguiu
terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Cidadania
Para Denis Pinho
Dar-te-ei tudo que tenho,
num lampejo, num sorriso,
fazendo de inferno a terra,
de falsidade o paraíso.
Varrerei tua calçada,
com atino e compromisso,
para que passes na levada,
nas mamas do estado omisso.
Abracar-te-ei,
fingirei-me de feliz,
sendo eu Antônio,
Homem,
tua puta, meretriz,
que de tanto não querer mais,
tive que dizer que quis.
Dar-te-ei tudo que tenho,
num lampejo, num sorriso,
fazendo de inferno a terra,
de falsidade o paraíso.
Varrerei tua calçada,
com atino e compromisso,
para que passes na levada,
nas mamas do estado omisso.
Abracar-te-ei,
fingirei-me de feliz,
sendo eu Antônio,
Homem,
tua puta, meretriz,
que de tanto não querer mais,
tive que dizer que quis.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
Fluxo
Para meus amigo Denis Pinho e Bruno Furlanetto, que tanto me fazem pensar na vida.
O amanhecer colore a
grama em fúria, um verde errante, maduro, brutal. O vento íngreme
sopra na calçada enquanto troco passos e escrevo palavras. Não sei
se existe um espírito para a modernidade ou para o dia de hoje, sei
que se ergue em mim e em meus semelhantes uma nostalgia diária que
nos impele a sair de casa, e que nos devolve ao anoitecer para que
mofemos e minguemos como as chamas do sol de um meio dia exausto.
Olhar ao redor é ver
tudo aumentado, idílico, livre de impurezas, tudo que não sou eu
brilha, a namorada do desconhecido, o emprego do melhor amigo, a
tranquilidade do primo, a sorte do ganhador da Mega-Sena, tudo se
confunde em minha visão míope e limitada da vida humana.
Olhar para frente é
temer, é deixar que um amontoado de incertezas e inseguranças
invada a consciência, é permitir que um maremoto de reações
químicas e sinapses tomem o controle, é aceitar o fado da
guilhotina do mundo que fatia o presente sobre as promessas de um
futuro que nem se quer existe.
Olhar para trás não é
menos desconfortante, ver tudo que se foi, que simplesmente passou,
os amigos, os inimigos, os avós, os pais, a paixão, a adolescência,
a juventude. Talvez eu me torne um velho casmurro e desdentado que
anda pelas ruas da cidade à resmungar em silêncio, ou talvez um
lunático que grita palavras de ordem no meio de disparates, tenho
saudades de mim.
Sinto um aperto no
ombro, alguém que nunca vi me chama, estou parado no meio de uma
rua, de frente para um semáforo vermelho e rodeado por motoristas
raivosos que se pudessem me atropelariam sem exitar. Percebo por um
momento que o mundo não se resume a meu ser tênue e sua solidão,
que neste exato segundo há monges meditando no Tibete, crianças
nascendo nos hospitais, jovens sendo assassinados pelo tráfico ou
por policiais sedentos de sangue, senhores de meia idade embriagados
nos bares buscando uma fuga para suas vidas medíocres, percebo que
outros passam fome, que limpam os vidros dos carros para sobreviver,
que nem todos os quadros de Van Gogh são incandescentes e bucólicos,
e que alguns guardam uma simplicidade triste e achatada.
Um nó aperta minha
garganta e me sufoca enquanto termino de atravessar a rua e deixo a
via livre para a circulação dos automóveis. Como pude me esquecer
de tudo que não sou eu? Como pude abrir mão, espontaneamente, de
minha participação ativa no mundo? Seria essa a náusea a qual
sofre o personagem de Jean Paul Sartre? Seria esse o subsolo úmido e
apertado de Dostoyevski?
A realidade agora me
soa estranha, apartada, um lugar inóspito cheio de certezas frágeis
e pessoas aprisionadas em suas bolhas de sonho, plástico e silício.
Lembro-me agora da fala de Georg Simmel “ Não há lugar mais
solitário que uma multidão”. Seria esse o mal das metrópoles? Do
mundo atual? De meus olhos desacostumados com a luz?
Decido reforçar o
contato com o exterior, criar maior intimidade com as coisas,
estreitar o laço, compro um jornal, fico a par da vida alheia pelas
frases curtas e linhas borradas, sou culto, bem informado, o
protótipo do cidadão politizado. Mas que ritual estranho.
Não é o bastante,
todo o esforço empregado na leitura daquelas letras minúsculas só
me serviu para construir uma imagem de mim, mais polida, mas não
menos isolada, mais séria, mas descontínua, como se meu mundo agora
fosse parte daquela realidade de cores desbotadas impressas na folha
daquele jornal velho de hoje. Seria eu uma notícia? Um número?
Estatística? E quanto aos meus planos? Meu futuro? Meus sonhos? E
quanto ao direito dos outros terem planos, futuro, sonhos? Seria o
indivíduo fruto do reconhecimento mútuo, como dizia Hegel? Seriam
todas as relações entre os homens reguladas pela dialética
senhor-escravo? Teria sido Marx profeta ao ter anunciado a alienação
do homem perante o outro homem pelo próprio homem? Seria ele o
oráculo da felicidade pré fabricada, das vidas prontas, dos
alimentos congelados?
A vida para mim é uma
sombra que invade meus pensamentos, se silhueta firma, mas de
fisionomia pouco nítida. Dados de realidade se embaralham em minha
cabeça com esquemas teóricos, com letras de música, com
fotografias, com versos de Fernando Pessoa. “Eu não sou nada,
nunca serei nada, nem posso querer ser nada, a parte isso, tenho em
mim todos os sonhos do mundo...”
Acho que no fundo nada
é tão coerente ou tão sistemático quanto parece, acho que não há
fórmula e que no fim (se o fim existe) uma coisa puxa a outra e
assim vai. No fim talvez o que nos resta seja caminhar de olhos
fechados, sem vislumbrar uma única direção, pois o ontem, o hoje,
o amanhã e mesmo o outro, é tão incerto quanto todo o resto, e a
sensibilidade seja a única coisa que nos permita manter contato. E
no fim, talvez o fluxo que arrasta todas as pessoas, todas as vidas,
todas as coisas, seja esse mesmo, que começou com o amanhecer pondo
cor na grama e que terminará sabe-se lá onde.
sábado, 11 de janeiro de 2014
Olhar
Olho nu em frente o espelho,
nos vãos do aço
desenha-se a forma mágica
do meu olhar
Entre os elos metálicos
a densa esfera,
turva e maculada
me observa em reação
fria e estática
Afasto-me em passos ígneos,
cruzo a porta em rompante,
dou com a rua,
apresso-me pelas bordas
da calçada,
desvio das borboletas,
arranco pelos corredores
da avenida central
Vou em choque,
criando e recriando
a sombra de paisagens
incandescentes,
de velhos carpindo
a chuva
Um mendigo me aborda,
moços e moças dançam bêbados,
homens de terno reclamam do trânsito,
donas de casa das filas,
executivas das meias finas,
os taxistas da falta de sorte
Um gosto amargo na garganta,
pernas trêmulas,
sentado em frente ao mar,
sobre os muros da represa
enxergo o mundo solto,
livre de mim e abandonado em versos
de obliteração e metástase
nos vãos do aço
desenha-se a forma mágica
do meu olhar
Entre os elos metálicos
a densa esfera,
turva e maculada
me observa em reação
fria e estática
Afasto-me em passos ígneos,
cruzo a porta em rompante,
dou com a rua,
apresso-me pelas bordas
da calçada,
desvio das borboletas,
arranco pelos corredores
da avenida central
Vou em choque,
criando e recriando
a sombra de paisagens
incandescentes,
de velhos carpindo
a chuva
Um mendigo me aborda,
moços e moças dançam bêbados,
homens de terno reclamam do trânsito,
donas de casa das filas,
executivas das meias finas,
os taxistas da falta de sorte
Um gosto amargo na garganta,
pernas trêmulas,
sentado em frente ao mar,
sobre os muros da represa
enxergo o mundo solto,
livre de mim e abandonado em versos
de obliteração e metástase
quinta-feira, 9 de janeiro de 2014
Precipício
Arrastado à beira,
no cume do precipício,
corria-me pelo sangue
a vida,
pela vida corria-me
o suplício
Em um delírio queria a morte,
em uma arrancada temia o mundo,
de tudo e de toda a sorte,
de tanto andar, seguia mudo.
Caído,
desconjuntado,
absurdo,
o filho pródigo do dia
de ontem,
agora era tão frio,
quanto a velhice
de tudo
terça-feira, 7 de janeiro de 2014
Esboço
Como pode, o luto arrastado,
o torpor intocado, o frio aumentado,
refinar-se na forma sutíl da poesia?
Como pode, a frágil borboleta,
escapar do casúlo de aço,
mergulhar em um voô ágil,
e transformar toda a ordem,
em descompasso?
Como é possível, que a ressonância aguda,
que os graves dissonantes,
que o curto intervalo das notas,
despertem nas crianças,
a ira delicada, deficiente, muda?
o torpor intocado, o frio aumentado,
refinar-se na forma sutíl da poesia?
Como pode, a frágil borboleta,
escapar do casúlo de aço,
mergulhar em um voô ágil,
e transformar toda a ordem,
em descompasso?
Como é possível, que a ressonância aguda,
que os graves dissonantes,
que o curto intervalo das notas,
despertem nas crianças,
a ira delicada, deficiente, muda?
segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
Mulheres Híbridas
Nas ruas,
do cais, das praças,
das luas, dos sais,
deparei me um dia
com as mulheres
híbridas,
que eram carregadas,
que eram fímbrias
de olhos tristes,
lusas, musas, índias,
feitas de ferro,
feitas de cor,
feitas também de tinta
Vozes aquiescidas,
braços atenazados,
unhas de carne roída,
corpos imóveis sob a
cartola,
que o mágico das ruas
tira,
sobre o cume das vozes
hipócritas,
sob os vestidos de
espessura fina
Uma chaga por hora
corrida,
um cliente a cada
esquina,
acidentes no asfalto
homérico,
calçadas de rua sem
saída,
prostitutas no mundo
dos homens,
meninos que o mundo fez
meninas
Uma abraça uma sombra,
outra flerta com o
ácido,
cianídrico, gástrico,
eu, por faltarem
palavras,
crio neologismos
seriam elas homens,
mulheres,
ou mulheres híbridas?
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