domingo, 29 de dezembro de 2013

Travessia

Abandonado de mim mesmo,
tive que um dia suplantar-me,
colocando um sorriso na cara,
desfazendo-me de minha carne

Desfeita de mim a ira,
o fio da vida,
o naco de escárnio,
pus-me à tentar ser a planta,
que de mim era o contrário

E nessa saga desconexa,
nesse vazio eterno de cada dia,
não pude sequer encontrar uma forma,
arquitetura, engenharia,
que fizesse de mim um homem,
mulher, José, Maria,
que me trouxesse conforto no tédio,
que me acostumasse à monotonia.

E em todo esse desencaixe,
nessa profunda  apatia,
caísse o mundo,
rompesse a terra,
eu já nada mais sentia,

do frio a tremedeira,
da chuva o impacto,
da noite  a melancolia,
eu que já não era homem,
tinha agora perdido o tato.

E cada dia era mais do nada,
pelas ciladas desta tragédia,
tudo que era bom se desfazia,
toda alegria era roubada.

Teto, olfato, paladar,
coisas que já não mais se tinha,
não tendo sido planta nobre,
tendo nascido erva daninha,
não houve opção outra,
além de arrebentar
a linha.

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