quinta-feira, 24 de abril de 2014

Brasil, palavra saudade


Eu tenho em mim
um amor do tamanho do Brasil,
que me silencia
e me mata de fome
que me rompe os nervos
e que me transforma

que me transtorna
no ranger de uma
sacudidela continental
transpondo meridianos,
pelos azes do samba
pelo cheiro feijão mineiro
pelo rubor da pimenta baiana

eu tenho em mim um amor incorrigível,
pelo sotaque carioca,
pela frenesi paulistana,
pelo chimarrão do Rio Grande do Sul,
pela mulatas de Rondônia,
pelas cercanias de Brasília
e pela solidão do Acre

eu tenho um amor que dói e que fere
de saudades e de imensidão andina,
de frio, de calor, de clima
do cume do mundo
para o sul,

para o céu da América Latina.

sábado, 19 de abril de 2014

Nós

Você desperta
e eu andando líquido,
tímido sobre a calçada

teu batom rosa,
meu peito nú,
tua mini saia
de borracha
e o abismo
entre a voz
e a sombra
dos carros
que passam
cantando freios

a praça cheia,
os ambulantes,
os velhos que mancam,
as ciganas da quiromancia,
uma prostituta deitada
sobre o banco,
um estardalhaço

todos eles personagens,
todos eles inertes,
todos eles sonetos,
todos eles nossos,
teus e meus versos,
e a tarde,
que se mais falasse
seria muda

eu e a esperança
de te ver de novo,
mascando chicletes
e trocando passos
de mãos dadas,
você flertando comigo
e eu embasbacado

você nua nas ruas da república
e eu à espera da meia noite
que não chega,
e de um ranger de ossos,
e de um bater de dentes

eu e você,
como se fosse sólido,
somo se fosse ontem,
como se fosse SEDE.



quarta-feira, 16 de abril de 2014

sobre a fala

sempre a voz,
transcendente
surda,
indescritível
nunca a história,
fria,
calculada,
racionalizada,
crível

sob cada verso
um falar sincrônico,
uma fala apertada,
um soar robusto

seja tênue,
seja torno,
seja nível

terça-feira, 15 de abril de 2014

Poema para um filho

esbaforidas,
as luzes andróginas
subvertem o ambiente,
o corpo da cidade,
da sequência,
da atrofia

em pleno século vinte e um
secam-se os homens
como a vasos de barro
produzidos em cadeia,
livres das mãos e pés,
à passos de escolhas
limitadas

em digno contemplar
legitimam as pérolas,
o ouro, o brilho das insígnias,
a suprema ordem que rege
a distância dos muros do castelo
a tosca lógica hierárquica
do indizível e do inimaginável,
o descolamento dos homens
de sua humanidade

aleijados,
filhos prematuros,
arrastam se os pobres,
as pedras, os padres,
às pressas,
produtos soturnos

em paz de concreto,
de ferro, de pólvora
em um nenhum futuro,
em um real inerte,
carente
e absurdo


segunda-feira, 7 de abril de 2014

Sobre Bach

Ao riso escolho
a melancolia,
autêntica,
que intocada
deixe-me alegre
por sua caridade
e ausência 
de desprezo

Aos outros deixo
a somente a dúvida
e a certeza
de que nada além existe
se não o silêncio
e a perfeita harmonia entre
uma nota e suas oitavas

Sutilmente encadeadas,
ligeiramente cadenciadas,
entre um intervalo 
e um encantamento
entre uma suite
e um concerto